quarta-feira, 25 de maio de 2011

No dia de minha morte

No dia de minha morte despertarei disposto e tranqüilo.

Tomarei um café da manhã com sabor de infância feliz. Vestirei uma roupa leve e sem camisa. Estará chovendo. Darei a mão à chuva e dançarei consigo.

A água que alimenta, também equilibrar-me-á os humores, removerá a tristeza, eliminará o restim de melancolia, os nãos rejeitados, os sins infelizes, os por quês não explicados.

No dia de minha morte viajarei pelas mais belas paisagens terrestres e planetárias; comerei sem preocupação com o açúcar ou o colesterol, e cantarolarei rouco, desafinado e firme... em voz alta, claro!

A água que do céu viaja trará consigo a força antípoda da energia do fogo que me faz queimar, arder de satisfação por ter vivido, sentido e encontrado com quem convivi, por quem senti e compartilhei fluídos quânticos de prazer e/ou idéias, conduzindo-me a excelência de ser homem que faz de seus medos, a arma mais combativa e eficaz, na caminhada terrena.

Esse fogo que tanto me aquece o coração, por tantas e tantas vezes, conduzindo a lançar-me sem escrúpulos moralistas, ao sabor do não, bem aceito, do sim, certeiro, sem explicações vis.

Esse fogo em mim aceso pelo vento norte, vento sul, vento de todas as direções e que me aproxima dos pássaros, fomentando diuturnamente em mim, vivendo e degustando o sentimento que mais amo e venero – a liberdade!

No dia que eu morrer, quero cinzas de mim. As cinzas? Que sejam distribuídas nos banquetes dos corruptos, insensatos e maus de coração tirando-lhes a risada falsa, a alegria maldita, a volúpia infame.

Noutra parte, entreguem-lhes nos braços do mar, no colo de Iemanjá onde repousarei.

O tiquim que sobrar, juntem-nas as sementes de flanboyants e as semeiem nos solo de minha terra querida, perto de minha gente e dos meus.

No dia de minha morte, quero festa. Sanfona, zabumba e triângulo tiniiiinndo.

Aos presentes, bolo de puba, milho e batata doce. Para não engasgar, suco de qualquer coisa.

Não deixem faltar cachaça da branca e da amarela, esta última, curtida no carvalho.

Aos amigos de vida, peço apenas um brinde com os dizeres: - Pense n’um caba arretado!!!!

A morte é a primeira gota de vida, é o passo seguinte, é a renovação diária, é o que afasta da ignorância, da estagnação e da inércia; é aprendizado, é maturidade, é sabedoria.

A morte é quem dirige o belo espetáculo da vida.

Júlio Lima
Médico/Professor

E meu amigo.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

É preciso

Em plena segunda-feira lembremos:

"É preciso estar sempre embriagado. Eis aí tudo: é a única questão. Para não sentirdes o horrível fardo do Tempo que rompe os vossos ombros e vos inclina para o chão, é preciso embriagar-vos sem trégua.
Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira. Mas embriagai-vos.
E se, alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre a grama verde de um precipício, na solidão morna do vosso quarto, vós acordardes, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que foge, a tudo que geme, a tudo que anda, a tudo que canta, a tudo que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, responder-vos-ão: 'É hora de embriagar-vos! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos: embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira'."

Baudelaire


terça-feira, 10 de maio de 2011

corda.

pra encerrar as indicações du jour (já recomendei um drama, uma comédia romântica e um filme fantástico/fantasioso), não posso deixar de mencionar "rope" (1948), grande clássico do suspense de alfred hitchcock que em português ganhou o nome de "festim diabólico", num raro exemplo de "tradução" (?) que ficou melhor do que o original. o filme tem só oito cortes, e foi filmado de modo a parecer uma tomada única contínua. ah, e eu nunca me esqueci da tomada aérea de abertura, muito bem feita para os padrões da época e para os atuais também. não quero dar detalhes do enredo porque acho bacana ver filme sem saber muito sobre a história. vale muito a pena. vejam e comprovem que eu tenho razão, rs.

nadando contra a corrente.

outro filme incrível que tive o imenso prazer de ver recentemente foi "contracorriente". sei que adolff e deco já viram, então eles podem me apoiar nessa indicação. abaixo, deixo a belíssima música tema da película. :~

meu gosto pessoal são outros 500.

rapaz conhece moça. rapaz se apaixona. moça, não. "(500) days of summer" é um dos meus filmes recentes preferidos, então muito me impressiona uma pessoa como thaynã, cuja sensibilidade eu respeito, ter afirmado categoricamente que odiou o filme. mas tá lançado o desafio: quero que quem ainda não viu assista ao filme de coração aberto e tire suas próprias conclusões.

amor?

a gente pode usar esse blog pra indicar filmes também, né? então. eu já falei com alguns de vocês sobre isso, mas não custa repetir: "amor? o filme" foi a melhor coisa que eu vi no cinema esse ano. e viva o cinema nacional fugindo do tema favela/tráfico (que já produziu coisas ótimas, como "cidade de deus", é claro; mas a gente também precisa de outras fórmulas, né?). anyway, o filme tem uma premissa muito simples: são depoimentos reais de pessoas que tiveram relacionamentos pautados por algum tipo de violência. a advertência no começo do filme diz que atores recriaram os relatos para proteger a outra pessoa envolvida. e o resultado é uma colagem de atuações incríveis de alguns dos nossos melhores atores. ninguém encena nada, só há discursos (em forma de entrevista, mas com pouca intervenção, pra ser mais livre), então toda a força do filme está nas palavras (e na capacidade dos atores de reproduzir esses depoimentos com uma carga de emoção imensa). fica a dica.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O sumiço de Maria Rosa.

Foram só quinze dias de um idílio diferente, entre eu e Maria Rosa. No começo, quando apareceu na minha calçada, quando me aproximava, mesmo para dá comida ela fugia e entrava num cano (seu esconderijo, até para fugir dos cachorros). Mas o tempo e os meus afetos foram nos aproximando, ela já ousava ficar no meu colo e me acompanhar quando eu andava. Onde estará Maria Rosa? Posso até tê-la matado, pois ela aprendeu a entrar no motor do carro. Joana, no seu eterno pessimismo, diz que ela deve ter ficado entalada no cano, pois estava crescendo e engordando. Ela veio numa hora certa, onde minhas angústias, minhas saudades e minhas tantas coisas que nem sei dizer, ficava a procura de algo, um complemento, qualquer coisa para preencher este vazio imenso que se formou. Quando Joana estava longe, nós nos curtíamos melhor, até flagrei ela correndo, dando pulos, numa demonstração de alegria, talvez me agradecendo. Como foi efêmero e breve e este amor. Só faz 12 horas que ela sumiu, e se estou escrevendo estas besteiras, é por que não tenho mais esperanças de encontrá-la, até andei aqui pelo bairro, olhando, procurando, tudo em vão. Só Monique partilhava comigo esse amor por Maria Rosa, até porque não encontrei mais ninguém para dividir as minhas alegrias em ter perto aquela coisinha preta, completamente preta, só os olhos de um verde intenso e sofrido, também pudera, nascida na rua, sem ninguém a lhe querer. Fico com a tristeza mais profunda sem ter com quem compartilhar, pensar que não tenho o que fazer, então estou escrevendo sobre ela, mais não vou esquecer jamais, aquele olhar penetrante, talvez até só de agradecimento, depois do leite Molico que eu roubava de Joana (no começo achou ruim, depois se acostumou).Tentei educá-la, não deixando ela entrar em casa, afastando-a de Joana, até com medo que ela a repelisse, mas o tempo, tenho certeza, iria aproximá-las. Não sei se aparecerá outra Maria Rosa, entre tantas que perambulam pelas sujas ruas desta cidade. Pequei, eu sei, pois devia ter seguido os conselhos, parece que de me pai, que os gatos não têm amor, aparecem e desaparecem, deixando a saudade e a dor.

Ismael Farias.

PS: texto escrito quando meu pai morava no Maranhão. Maria Rosa era uma gatinha preta.

domingo, 8 de maio de 2011

Mundo deserto

Após o fim de uma semana desenhada por acontecimentos históricos, lembrei-me dessa canção que ganha mais vida na voz de Elis. Em homenagem ao STF por dar o primeiro passo rumo ao respeito à diversidade e a morte de Osama, se é que ele morreu.

No mundo deserto de almas negras
Me visto de branco
Me curo da vida sofrida, sentida
Que deram pra mim
No mundo deserto de almas negras
Sorriso não nego
Mas vejo um sol cego

Querendo queimar o que resta de mim
Vivo no mundo deserto de almas negras
Vivo no mundo deserto de almas negras
Vivo no mundo deserto de almas negras
Na vontade de verdade
Eu quero ficar
E não acredito no dito maldito
Que o amor já morreu
Tenho fé que o meu país
Ainda vai dar amor pro mundo
Um amor tão profundo, tão grande
Que vai reviver quem morrer