sexta-feira, 3 de junho de 2011

PIPOCA.

Depois da noite de ontem, dos papos e dos comentários de Allan Dantas fui conhecer um pouquinho mais do Rubem Alves...

"Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho para sempre."


Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo.

Quem não passa pelo fogo, fica do mesmo jeito a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosa. Só que elas não percebem e acham que seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.

Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos: a dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, o pai, a mãe, perder o emprego ou ficar pobre. Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão ou sofrimento, cujas causas ignoramos. Há sempre o recurso do remédio: apagar o fogo! Sem fogo o sofrimento diminui. Com isso, a possibilidade da grande transformação também.

Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou: vai morrer. Dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar um destino diferente para si. Não pode imaginar a transformação que esta sendo preparada para ela. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação acontece: BUM! E ela aparece como uma outra coisa completamente diferente, algo que ela mesma nunca havia sonhado.

Bom, mas ainda temos o piruá, que é o milho de pipoca que se recusa a estourar. São como aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. A presunção e o medo são a dura casca do milho que não estoura. No entanto, o destino delas é triste, já que ficarão duras, a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca, macia e nutritiva. Não vão dar alegria para ninguém.

Extraído do livro "O amor que acende a lua", de Rubem Alves.

Ps: Acho que preciso passar por um incêndio.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

No dia de minha morte

No dia de minha morte despertarei disposto e tranqüilo.

Tomarei um café da manhã com sabor de infância feliz. Vestirei uma roupa leve e sem camisa. Estará chovendo. Darei a mão à chuva e dançarei consigo.

A água que alimenta, também equilibrar-me-á os humores, removerá a tristeza, eliminará o restim de melancolia, os nãos rejeitados, os sins infelizes, os por quês não explicados.

No dia de minha morte viajarei pelas mais belas paisagens terrestres e planetárias; comerei sem preocupação com o açúcar ou o colesterol, e cantarolarei rouco, desafinado e firme... em voz alta, claro!

A água que do céu viaja trará consigo a força antípoda da energia do fogo que me faz queimar, arder de satisfação por ter vivido, sentido e encontrado com quem convivi, por quem senti e compartilhei fluídos quânticos de prazer e/ou idéias, conduzindo-me a excelência de ser homem que faz de seus medos, a arma mais combativa e eficaz, na caminhada terrena.

Esse fogo que tanto me aquece o coração, por tantas e tantas vezes, conduzindo a lançar-me sem escrúpulos moralistas, ao sabor do não, bem aceito, do sim, certeiro, sem explicações vis.

Esse fogo em mim aceso pelo vento norte, vento sul, vento de todas as direções e que me aproxima dos pássaros, fomentando diuturnamente em mim, vivendo e degustando o sentimento que mais amo e venero – a liberdade!

No dia que eu morrer, quero cinzas de mim. As cinzas? Que sejam distribuídas nos banquetes dos corruptos, insensatos e maus de coração tirando-lhes a risada falsa, a alegria maldita, a volúpia infame.

Noutra parte, entreguem-lhes nos braços do mar, no colo de Iemanjá onde repousarei.

O tiquim que sobrar, juntem-nas as sementes de flanboyants e as semeiem nos solo de minha terra querida, perto de minha gente e dos meus.

No dia de minha morte, quero festa. Sanfona, zabumba e triângulo tiniiiinndo.

Aos presentes, bolo de puba, milho e batata doce. Para não engasgar, suco de qualquer coisa.

Não deixem faltar cachaça da branca e da amarela, esta última, curtida no carvalho.

Aos amigos de vida, peço apenas um brinde com os dizeres: - Pense n’um caba arretado!!!!

A morte é a primeira gota de vida, é o passo seguinte, é a renovação diária, é o que afasta da ignorância, da estagnação e da inércia; é aprendizado, é maturidade, é sabedoria.

A morte é quem dirige o belo espetáculo da vida.

Júlio Lima
Médico/Professor

E meu amigo.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

É preciso

Em plena segunda-feira lembremos:

"É preciso estar sempre embriagado. Eis aí tudo: é a única questão. Para não sentirdes o horrível fardo do Tempo que rompe os vossos ombros e vos inclina para o chão, é preciso embriagar-vos sem trégua.
Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira. Mas embriagai-vos.
E se, alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre a grama verde de um precipício, na solidão morna do vosso quarto, vós acordardes, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que foge, a tudo que geme, a tudo que anda, a tudo que canta, a tudo que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, responder-vos-ão: 'É hora de embriagar-vos! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos: embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira'."

Baudelaire


terça-feira, 10 de maio de 2011

corda.

pra encerrar as indicações du jour (já recomendei um drama, uma comédia romântica e um filme fantástico/fantasioso), não posso deixar de mencionar "rope" (1948), grande clássico do suspense de alfred hitchcock que em português ganhou o nome de "festim diabólico", num raro exemplo de "tradução" (?) que ficou melhor do que o original. o filme tem só oito cortes, e foi filmado de modo a parecer uma tomada única contínua. ah, e eu nunca me esqueci da tomada aérea de abertura, muito bem feita para os padrões da época e para os atuais também. não quero dar detalhes do enredo porque acho bacana ver filme sem saber muito sobre a história. vale muito a pena. vejam e comprovem que eu tenho razão, rs.

nadando contra a corrente.

outro filme incrível que tive o imenso prazer de ver recentemente foi "contracorriente". sei que adolff e deco já viram, então eles podem me apoiar nessa indicação. abaixo, deixo a belíssima música tema da película. :~

meu gosto pessoal são outros 500.

rapaz conhece moça. rapaz se apaixona. moça, não. "(500) days of summer" é um dos meus filmes recentes preferidos, então muito me impressiona uma pessoa como thaynã, cuja sensibilidade eu respeito, ter afirmado categoricamente que odiou o filme. mas tá lançado o desafio: quero que quem ainda não viu assista ao filme de coração aberto e tire suas próprias conclusões.

amor?

a gente pode usar esse blog pra indicar filmes também, né? então. eu já falei com alguns de vocês sobre isso, mas não custa repetir: "amor? o filme" foi a melhor coisa que eu vi no cinema esse ano. e viva o cinema nacional fugindo do tema favela/tráfico (que já produziu coisas ótimas, como "cidade de deus", é claro; mas a gente também precisa de outras fórmulas, né?). anyway, o filme tem uma premissa muito simples: são depoimentos reais de pessoas que tiveram relacionamentos pautados por algum tipo de violência. a advertência no começo do filme diz que atores recriaram os relatos para proteger a outra pessoa envolvida. e o resultado é uma colagem de atuações incríveis de alguns dos nossos melhores atores. ninguém encena nada, só há discursos (em forma de entrevista, mas com pouca intervenção, pra ser mais livre), então toda a força do filme está nas palavras (e na capacidade dos atores de reproduzir esses depoimentos com uma carga de emoção imensa). fica a dica.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O sumiço de Maria Rosa.

Foram só quinze dias de um idílio diferente, entre eu e Maria Rosa. No começo, quando apareceu na minha calçada, quando me aproximava, mesmo para dá comida ela fugia e entrava num cano (seu esconderijo, até para fugir dos cachorros). Mas o tempo e os meus afetos foram nos aproximando, ela já ousava ficar no meu colo e me acompanhar quando eu andava. Onde estará Maria Rosa? Posso até tê-la matado, pois ela aprendeu a entrar no motor do carro. Joana, no seu eterno pessimismo, diz que ela deve ter ficado entalada no cano, pois estava crescendo e engordando. Ela veio numa hora certa, onde minhas angústias, minhas saudades e minhas tantas coisas que nem sei dizer, ficava a procura de algo, um complemento, qualquer coisa para preencher este vazio imenso que se formou. Quando Joana estava longe, nós nos curtíamos melhor, até flagrei ela correndo, dando pulos, numa demonstração de alegria, talvez me agradecendo. Como foi efêmero e breve e este amor. Só faz 12 horas que ela sumiu, e se estou escrevendo estas besteiras, é por que não tenho mais esperanças de encontrá-la, até andei aqui pelo bairro, olhando, procurando, tudo em vão. Só Monique partilhava comigo esse amor por Maria Rosa, até porque não encontrei mais ninguém para dividir as minhas alegrias em ter perto aquela coisinha preta, completamente preta, só os olhos de um verde intenso e sofrido, também pudera, nascida na rua, sem ninguém a lhe querer. Fico com a tristeza mais profunda sem ter com quem compartilhar, pensar que não tenho o que fazer, então estou escrevendo sobre ela, mais não vou esquecer jamais, aquele olhar penetrante, talvez até só de agradecimento, depois do leite Molico que eu roubava de Joana (no começo achou ruim, depois se acostumou).Tentei educá-la, não deixando ela entrar em casa, afastando-a de Joana, até com medo que ela a repelisse, mas o tempo, tenho certeza, iria aproximá-las. Não sei se aparecerá outra Maria Rosa, entre tantas que perambulam pelas sujas ruas desta cidade. Pequei, eu sei, pois devia ter seguido os conselhos, parece que de me pai, que os gatos não têm amor, aparecem e desaparecem, deixando a saudade e a dor.

Ismael Farias.

PS: texto escrito quando meu pai morava no Maranhão. Maria Rosa era uma gatinha preta.

domingo, 8 de maio de 2011

Mundo deserto

Após o fim de uma semana desenhada por acontecimentos históricos, lembrei-me dessa canção que ganha mais vida na voz de Elis. Em homenagem ao STF por dar o primeiro passo rumo ao respeito à diversidade e a morte de Osama, se é que ele morreu.

No mundo deserto de almas negras
Me visto de branco
Me curo da vida sofrida, sentida
Que deram pra mim
No mundo deserto de almas negras
Sorriso não nego
Mas vejo um sol cego

Querendo queimar o que resta de mim
Vivo no mundo deserto de almas negras
Vivo no mundo deserto de almas negras
Vivo no mundo deserto de almas negras
Na vontade de verdade
Eu quero ficar
E não acredito no dito maldito
Que o amor já morreu
Tenho fé que o meu país
Ainda vai dar amor pro mundo
Um amor tão profundo, tão grande
Que vai reviver quem morrer

quinta-feira, 28 de abril de 2011

"Moço, não se meta

Com uma tal de Nara Leão

Que ela anda armada

De uma flor e uma canção"

Ferreira Gullar

o afogado

"— mas o que chamas de paz se pressinto em ti essa coisa mansa que se faz nos outros e em cada momento que te olho inúmeras coisas escuras escorrem dentro de mim pois se a paz não é uma coisa escura pois senão não continuarei não te farei nenhuma pergunta embora precisasse não para te definir ou para te compreender não preciso saber de onde vens assim como para me definires ou me compreenderes não precisas de nenhum dado concreto mas eu não te defino nem te compreendo apenas sei que chegaste e que esta tua chegada modificará em mim todas as coisas que se tornaram suaves todas as cordialidades ou amenida des que construí nesse tempo de absoluta sede ansiava por ti como quem anseia pela salvação ou pela perdição porque qualquer coisa poderia me salvar desta imobilidade que me devasta por dentro te direi apenas para sobreviver mas já não quero sobreviver já não quero apenas ir adiante é preciso que qualquer coisa abata esta letargia porque já não admiro precariedades por que não sei o que digo nem o que sinto mas persistirei no que pressinto ainda que tudo isso seja um lento processo de morte um enveredar em direção ao mais terrível vejo em ti o meu roteiro de agonia além disso nada sei mas não fujo foram muito poucas as coisas que vivi percebo que não cheguei a existir exatamente mas não sou forte apenas construí de minhas fraquezas essa coisa que talvez chamasses força há muito tempo eu permanecia esquecido de mim mesmo foi preciso que chegasses para eu perceber que somente destruindo se pode construir agora eu quero a destruição que me propões mas não propões nada deixas que eu enverede sozinho é assim sei que não me deixarás sozinho sei que te recusas a te definires em palavras não por que eu me atemorizasse mas por que as palavras não te dizem te mos muito pouco tempo nesse pouco tempo é preciso que todos percebam em ti o que nunca viram e somente no último momento possam ver a tua face essa face terrível que todos suspeitam terrível mas eu reivindico a posse desse terrível porque me sei capaz de suportá-lo não falta muito tempo agradeço por me teres dado a consciência da minha inutilidade mas eu de nada sei nada conheço do que falo mesmo assim estou pronto embora sem compreender inteiramente sim semearemos a fome e a discórdia semearemos o que eles não seriam capazes de viver se não chegasses não me esquivarei vejo a tua mão estendida em direção a mim e estendo a minha própria mão e minha mão e tua mão se tocam e a minha espera e a tua conduz sim preparo-me para o grande mergulho no desconhecido:"

C.F.A.

"... ouço Adriana Calcanhoto no walkman e me dá uma saudade irracional de você."

saudade de VOCÊS.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Ninguém tem que buscar a si mesmo. A gente só tem que aprender a não se rejeitar. Se dar colo, aprender a receber afeto, querer afeto e saber que não virá aquela hora. A gente tá ali dentro o tempo todo, mas é preciso se olhar com olhos amorosos. Porque fazemos o que podemos diante do que sentimos. E há sempre uma forma de ser e estar além. Quando dói nada disso faz sentido. Mas um dia faz. E funciona.

Marla de Queiroz

(Ontem li algo de Marla e gostei. Fui dar uma olhada no que ela já escreveu e acabei encontrando coisas ótimas. Este trecho diz muito do ando pensando. Aliás, acho que a maioria de nós. Ou não. whatever.)

Extensão

Extensão
Rio de Janeiro

Eu busquei encontrar na extensão um caminho
Um caminho qualquer para qualquer lugar.
Eu segui ao sabor de todos os ventos
Mas somente a extensão.

Chorei. Prostrado na terra eu olhei para o céu
E pedi ao Senhor o caminho da fé.
Noites e noites foram-se em silêncio
E somente a extensão.

Quis morrer. Talvez a terra fosse o único caminho
E à terra me abracei esperando o meu fim
Porém tudo era terra e eu não quis mais a terra
Que era a grande extensão.

Quis viver. E em mim mesmo eu busquei o caminho
Na ansiedade de uma última esperança
Eu olhei - e volvi à extensão desesperado
Era tudo extensão.


Vinícius de Morais


Lembrei tanto desse poema esses dias....

quinta-feira, 21 de abril de 2011

poema da mamãe.

Gente, gostei demais desse poema da mamãe e achei ótima a idéia de compartilhar com vocês por aqui. Nessa quinta-feira-feriado-meio-chuvosa-que-tem-samba-mais-tarde-em-thaynã nada melhor do que começar assim, né? Sem esquecer de que estamos todos muito felizes porque Rodolfo está aqui em Campina pra gente aproveitar! Um xero e até mais tarde!


Loucura

Meu corpo, palco do desejo

Do amor que quero e vejo

É uma loucura tão louca

Que dá secura na boca

Um amor vivo feito carmim

Vindo ao encontro de mim

E me invade a mente

E me deixa demente

Devaneio urgente

Doente, doente...

Flor despetalada...

Coisas que não existem...

Ai de mim, se em mim não fossem.



Adília Uchôa.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

vida longa ao rei.

hoje roberto carlos completa 70 anos de vida e, para comemorar, eis um vídeo DAQUELES. :~

domingo, 17 de abril de 2011

nara.


p.s.: uma vez me disseram que elis regina chamava nara leão de "a muda da mpb", mas eu me recuso a acreditar nessa maldade. :~

quarta-feira, 13 de abril de 2011

O Dia Deu em Chuvoso

O Dia Deu em Chuvoso

O dia deu em chuvoso.
A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.

Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.

Bem sei, a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Dêem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.

Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.

Carinhos? Afetos? São memórias...
É preciso ser-se criança para os ter...
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.

Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coração por comer...
Quando foi isso? Não sei...
No azul da manhã...

O dia deu em chuvoso.

Álvaro de Campos, in "Poemas"

terça-feira, 12 de abril de 2011

Quando os clientes saíram, Eugênio escancarou a janela, sorveu demoradamente o ar fresco da tarde. De certo modo se sentia alegre. Começava a tomar a vida pelos ombros e tentava beijá-la na face, como lhe aconselhava Olívia. Era um beijo de sacrifício que ele dava ainda com alguma repugnância, num desfalecimento de medo, violentando a sua natureza mais íntima. Mas havia nesse beijo um estranho elemento de fascínio. E ele sabia - se sabia! - que um dia, não muito remoto, ele ainda beijaria com amor essa mesma vida incoerente, sórdida, brutal e apesar disso, ou talvez por isso mesmo, bela.

Olhai os Lírios do Campo, Érico Veríssimo, pág. 188, 2005.

Tenho ido dormir quase sempre meio triste, talvez o cansaço de mais um dia igual, mas acordo com uma fé que me faz saber do mesmo que Eugênio sabia e assim consigo continuar. Acreditar no agora e no futuro sem olhar pra traz, escolher um caminho e seguir tendo fé, sabendo que é a melhor estrada que você pode trilhar. Um exercício sem fim de vontade. Do mesmo livro: "A vida começa todos os dias" (pág. 179)

Bons sonhos, meus amores.

Comer, Rezar e Amar.

"Por favor, levante do chão. Por favor, você pode vir pra cá? E se admitirmos que nossa relação é ruim mas continuarmos juntos? Aceitamos que brigamos muito, quase não transamos mais, mas não vivemos um sem o outro. Assim, podemos passar a vida juntos, infelizes mas felizes por não estarmos separados."


"Querido David, nós não nos comunicamos há algum tempo, o que me deu tempo pra pensar. Lembra quando você falou que devíamos ser infelizes juntos para sermos felizes? Considere prova do quanto te amo eu ter passado tanto tempo tentando fazer a idéia de dar certo. Mas, outro dia, um amigo me levou a um lugar incrível: o Augusteum. Otaviano Augusto o construiu para abrigar seus restos mortais. Vieram os bárbaros e foi demolido, com o resto. Como Augusto o primeiro grande imperador de Roma imaginaria a queda de Roma e de todo o mundo como ele o conhecia? É um dos locais mais sossegados e solitários de Roma. A cidade cresceu ao seu redor ao longo dos séculos. Como uma ferida, um coração partido ao qual você se apega, pois a dor é boa. Todos queremos que as coisas permaneçam iguais, David. Vivemos infelizes com medo que uma mudança estrague tudo. Aí, eu olhei esse lugar, o caos que ele suportou, o modo como foi adaptado, queimado, pilhado e reconstruído, e me tranquilizei. Talvez minha vida não tenha sido tão caótica. O mundo que é. A armadilha é nos apegarmos às coisas. A ruína é uma dádiva. A ruína é o caminho que leva à transformação. Até nesta cidade eterna, o Augusteum me mostrou que devemos estar preparados para as intermináveis ondas de transformação. Nós dois merecemos mais do que ficarmos juntos por medo de sermos destruídos não ficando.”


Comer, Rezar e Amar.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Oração

Senhor, obrigado pelo dia que passou como também pelo que acaba de começar. Abençoe esse novo dia com toda tua beleza pra que a gente possa ser mais feliz e menos mesquinho. Obrigado porque eu tenho casa, comida, roupa lavada e amor, amor de mãe, amor de pai, amor de irmão, Teu amor, meu amor. Apesar de tudo ainda vale a pena por causa do amor, Tu és quem mais sabe disso. Abençoe grandemente a minha mãe para que ela possa me brindar com sua presença na minha vida ainda durante muitos, muitos, muitos anos... acho q eu não saberia viver sem ela que de longe é meu norte pra tudo. Abençoe porque ela não sabe parar, não sabe como parar essa vida dela tão corrida, estressante, estressada, cansada, não, ela não sabe como parar de amar e por isso continua, vai, faz e acontece. Dá força pra ela. Dá força pra mim também. Abençoe meu pai, com toda sua rudeza eu sei que ele me ama e é bem melhor que muita gente que eu já tive o desprazer de conhecer. Abençoe meus irmãos, cada um deles com toda essa coisa de cada um deles que eu, todos aqui temos de saber lidar, conviver, não é tarefa fácil. Todos temos problemas, todos temos opiniões, gênios, vontades nessa casa que ainda só tem 5 cômodos, imagine. Abençoe os avós, tios, primos, porque não? Abençoe os meus amigos, esses que tentam me entender, me fazem rir e me fazem chorar, me fazem de filho, me fazem de pai, de mãe, de irmão, me fazem do que precisam em todas as horas boas e ruins, abençoe-os muito! Abençoe até aqueles que me esqueceram e aqueles a quem esqueci, se tivemos bons sentimentos uns pelos outros já valeu nem que tenha durado um só minuto. Por fim, me abençoe, me faça acreditar, ter fé que essas coisas todas que me fazem pensar muita besteira, mas muita mesmo, passem, ter fé que aquele meu sonho de uma felicidade modesta vai se realizar, não quero pensar um dia que meus sonhos foram apenas pobres enganos. Pra tudo isso me abençoe com coragem de lutar, perseguir, procurar, quem sabe um dia eu acabe achando mesmo. Por tudo isso me abençoe com tua luz, porque às vezes eu me sinto triste, escuro, e eu preciso continuar seguindo sem medo. Por favor, visite a casa, a cama de cada um desses que eu amo e vele o sono de todos, sim? Todos precisam de uma noite de paz. Todos. A gente nunca sabe se esses sentimentos todos vão voltar na manhã seguinte, talvez nem tenham ido embora, mas de um jeito ou de outro vai ser preciso acordar e, na maioria das vezes, não é só da força física que precisamos. Força, sim? Também. Pra todos nós. Amém.


Choro necessário


Eu não tive tempo de chorar por esse amor, mas sei que isso é necessário. Uma vez, a muito tempo, ouvi a máxima de que “tempo é uma questão de prioridade”, tomei essa frase como uma das verdades que carrego comigo durante toda a vida e certamente agora é mais oportunidade para usá-la. Qualquer pessoa no meu lugar também não daria prioridade ou, pelo menos, preferiria dizer que não teve tempo de chorar por algo que em outros tempos trouxera tanta alegria.

Mas isso é necessário. É imprescindível botar o choro para fora para ele não ficar se derramando por dentro. Fora talvez ele cause constrangimento ou vergonha, mas dentro ele causa dor, dor patológica, antológica, epistemológica.

Chorar, nesse caso, é a cura, a libertação. É sentar frente a frente com a dor e dizê-la: Estou aqui e você pode doer o quanto aguentar, eu não tenho medo. Mais sofreria se continuasse na covardia de abrigá-la em meu coração sem ao menos ter a coragem de olhar para seus olhos.

Parece confusão juntar num mesmo espaço amor, choro, dor sem que esse tripé represente um fim. Mas não estou falando em fim de amor que tem como consequência choro e dor. Estou falando de mudança, de um amor que mudou e que não encontra mais forças na presença, ao passo que a distância se mostra o ingrediente fundamental para sua preservação.

E mudança não representa, de certa forma, um fim? Sim. Toda mudança é um novo começo para um novo fim, no ciclo eterno de Sísifo. Mas o fim de algo que não acabou. E como é mais triste chorar pelo fim de algo que não foi sepultado. Mas é necessário.